segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O Banquete da Meia-Noite

     Sentou-se à cabeceira e pediu que lhe fosse passada a mandioca assada. Sua sobrinha, Sabina, fez-o rapidamente. Enquanto, ao final da mesa, sentavam-se os outros dois integrantes da ceia, Bento Cabral e Maria das Neves, que mantinham um intenso romance às escondidas. Juntos, planejavam sua fuga amorosa próxima.

     — Então é isso! É para o nosso melhor!

     — Sim! Amo-te, querido.
     — Maravilha. Amanhã cedo partiremos!
     — Até o final desta noite estarei com tudo pronto.
     — Sim, sim! Até o clarear do Sol encontraremos nossa liberdade no feixe de luz que separa os horizontes.

          D. Damasceno devorou a mandioca assada com a boca nervosa e o estômago magro. Via-se satisfeito. E satisfeito, então, voltou-se à mente com o pensamento que reunia todos no mesmo cômodo, Sabina já apresentava sinais da mocidade. Moça esbelta, bonita dos olhos claros, falava bem com voz meiga e tinha cabelos loiros ondulado no final e liso ao começo. Realmente, a mocidade penetrou-a profundo. Voltando-se, assim, para Bentinho.


     — Querido Bento Cabral, gostaria de lembra-lo o motivo principal que o faz sentar-se à mesa comigo e minha doce sobrinha. Lembra-te?


     Bentinho foi obrigado a retirar seus olhos enamorados de Maria das Neves e, tristes, cobrir o corpo gordo do anfitrião.


     — Sim, lembro-me bem, D. Damasceno.

     —  Como viestes à minha casa para a refeição,ele continuou, imagino eu que estás de acordo com o casamento!

     Sem ousar voltar os olhos à amante, ousou em petrificá-los ao gordo sem qualquer escrúpulo e respondeu que sim.


     — Pois então! Casarás com Sabina já na semana que vem. Certo, minha sobrinha?


     Ela, não apresentando franqueza, mas dubiedade, acenou-lhe com a cabeça que sim, porém, sem o consentimento dos olhos; olhos que escondiam um coração triste, pouco palpitativo e de uma roxidão amarga.

     —  Pois então és definitivo. O matrimônio é sempre algo para se celebrar!


     Os olhos ligeiros de Bentinho já se encontravam aos pés de Mariê e, com expressivo ânimo nas palavras, derramou-lhe o balde.


     — Mariê, querida! Entendeste porque precisamos partir à chegada do Sol? D. Damasceno da Costa pagará-me a quantia acertada hoje ainda para  que o casamento seja realizado! E daí iremo-nos em um só pé; o outro botaremos no chão quando chegarmos.


     O inquilino divertia-se a goles em sua completa taça de vinho tinto e esbravejava para que mais fosse preenchido a todos. Cantava com o céu da boca composições com a técnica de Leitmotiv de Wagner, já imaginando seu magistral brinde no casamento. Assim, realmente, não teria como prestar atenção à conversação rápida entre os pombos.


     Mariê respondeu-lhe que sim, estava pronta. Mas os olhos pareciam perpetuados aos bicos finos dos seus sapatos.


     — Meu bem, voltava Bentinho, não te preocupas. É tudo por nós! Não possuo a mínima das mínimas vontades de fazer parte dessa família infame. Lembra-se que ele é viúvo e até hoje nunca tiveram certeza do que acontecera com sua esposa? Gripe Espanhola que nada! E o corpo, onde jaz? És um assassino!


     Mariê somente fixou seus olhos em devaneio aos de seu amor.


     — Me amas? Ele perguntou.

     — Muito... Respondia com os olhos úmidos.

     No meio da bagunça toda havia alí Sabina. Estava mais ou menos perto do 16º Outono e a puberdade batera-lhe repentinamente. A porta da cozinha, que dava para a sala e era usada para os escravos servirem comida à mesa, abriu-se um pouco e, de lá dentro, viu Zumba, sua escravinha particular. Filha da cozinheira, despertara-lhe certo interesse no verão. Tal flor a penetrara e florescia em seu interior; flor vermelha rosado que soltava seu pólen nos olhos da futura dona de casa quando submetida à sua presença. E o orgão sexual da flor que lança os reprodutores masculinos entra em chamas; chamas constantes com queimaduras de eternas.


     D. Damasceno ainda uivava sinfonias enquanto agora pensava no desfecho que o casamento lhe daria — tornar-se-ia, agora tornará-se, Marechal Damasceno da Costa, visto que o pai do breve novo membro da família tinha bastante força e influência militar na cidade.


     Mal a sobremesa terminada e Sabina já treinava habilidades costureiras com a escravinha bonita em seu quarto; a porta sempre fechada. — Se uniam agulhas e linhas a remendos ou àquelas chamas não tão pueris, não sei; mas posso assegurar-lhes que o futuro Marechal jamais encontraria disto ou daquilo.


     Consumada a ceia, D. Damasceno da Costa terminou a noitada dizendo já estar tarde demais e amanhã cedo começariam os preparativos para o grande evento no sábado.


     No momento que o casal vadio chegou à porta para ir-se, o dono da carne e fogo chamou felizmente o homem. Quando este chegou ao seu lado, o gordo reles meteu as mãos no terno do rapaz a arrumá-lo. Um envelope bege escuro menos farto que suas dobras discretamente foi empurrado bolso adentro do paletó do sortudo marido. Os dois se encararam com olhos altivos e poderosos. D. Damasceno havia de crer em uma relação desdenhosa unilateral - e realmente foi. Abraçaram-se e deram um forte aperto de mão em que cada qual escondia o engrandecimento dos lábios superiores pela vitória própria. Três capadócios, uma ninfa e vários interesses.


     Era possível ouvir Sabina e Zumba à gargalhadas. Constantemente brincavam de guerras de plumas e penas de ganso presas a um saco e sessões de cócegas somente à cor das camisolas.


     Bento Cabral virou-se, abriu a porta do casarão para a amante e foram-se a rumo, tão enlevados, extasiados, quanto as brincadeiras das jovens que permaneciam nos segredos da alcova domicilar.


     O casal de valdevinos realizou seu sonho na América do Norte; enquanto o velho balofo,vil e enganado, ecoava suas amáveis sinfonias no fundo de seu miolo espalhado pela praça Albuquerque. O par, rústico e meigo, fugido com seu dinheiro, tirou-lhe a única chance na vida de ébrio de se tornar alguém; melhor diria-se, Marechal. Sem tomar o Alto e receber honrarias mais condecorações, foi-lhe negado o empréstimo do banco por ter dito ao gerente, Rui de Alcântara, que logo tornar-se-ia Marechal Damasceno Da Costa. Sendo um homem de mais respeito ainda, agora, podendo, assim, recebê-lo sem maiores estorvos.

     Não tomando o Alto, D. Damasceno sabia que jamais conseguiria o empréstimo. E então, advertido sobre um suposto amor maior ao dinheiro e cobiça que à pátria, pegou-o emprestado, dado depois a Bentinho, de um conhecido de um conhecido; conhecido por tê-lo aos montes; e por seu rápido estouro energético nas sinapses do seu cérebro, dando-lhe o apelido de Diabo, por suas desconfianças sanguinários e maciças. Digamos que se sentia não passado para trás, isto nunca!,  mas ultrajado quando um zebra — assim chama aquele que o deve —, parecia amarelar o pagamento dos juros, ou simplesmente fugi-los. Há ainda alguns que tentavam enganá-lo sem pagar-lhe nada no final, mas Diabo tinha essa inteligência onisciente — sabia de tudo. E, incrivelmente, de todos. 

     As más e podres línguas da cidade diziam por aí aos zebras ultrajantes, aqueles que não tinham a índole do pagamento, que haviam de desaparecer. E que se o fossem, para bem,bem longe ­— gargalhavam com a Europa feudal. Longe onde Diabo nunca os encontrariam para cobrar a conta.

      Se haviam sumido mesmo após o empréstimo pobremente devolvido, era verdade; e, se haviam ainda se escondido com a boca costurada embaixo da terra sem encéfalo, dedos e virilidade, era mais ainda.     Ninguém é perdoado quando seu dia chega.


     O credor do dinheiro levado para o exterior ja irritara-se o bastante com a demora do pagamento e dos juros.
     A D. Damasceno foi negado o empréstimo.
     Sabina ria e ria com Zumba. Doce deleite.
     O velho gordo ecoava suas mais amáveis sinfonias no fundo de seu miolo espalhado pela praça Albuquerque.






**Nota ao leitor
           1 - Nunca confie em além de você;
           2  - Toda máscara usada é presa à face pelo interesse;
           3 - Todas as ações humanas vêm por detrás do interesse. Seja ele ruim ou bom;
           4 - Tudo não se passa da cobiça pelo mais saboroso vinho.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A Morte do Tom

A Morte encosta o ombro no balanço
E Tom balança
Tradicional veste preta e a foice

A Morte se aproxima pra brincar com Tom

Ele estica as pernas e as fecha num swing ritmado
Que pega ela na rítmica e desorganiza seu compasso

Então Tom corre
E a extinção o persegue
Pesadelo atrás de pesadelo
Monstros, aberrações abomináveis e....Contato
                                                                 |Físico
                                                                 |Medo.

Tom não correu tão rápido


São desenhos tão... Obscuros.






*Várias interpretações possíveis

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Questão Controversa

Via aquela moça andar
Via aquela moça falando comigo
Rapaz,
se não é que me encantou

Ouvia aquela mulher rindo comigo

Ouvi aquela mulher suspirar, também
E não é mesmo
que eu talvez tenha descoberto


Beijos                                Beijos

mulheres mulheres     homens mulheres

Sentia aquela dama se opondo à mim

Senti aquela dama expressar com cor suas convicções!
Senti tal frio dentro
Me ajeitei na cadeira
Disse que a amava
Olhos fundos Olhos

Já havia contado àquela senhora toda a verdade

Contado sobre os primeiros contatos
Sobre a primeira troca de expressões
Os últimos contos e poemas
E até contado sobre o beijo que há de vir já!
Já havia contado àquela senhora toda a verdade
Por detrás de mim. Por detrás dos seus apelos
Por detrás de nós mesmos

Beijei-a novamente

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Ô,Pai

      Acordei exaltado e de repente estava em um funeral. Estava perdido e tentando descobrir alguma verdade que pairava no terreno em que me encontrava. Céu aberto, grama. E foi assim que soube de quem era o velório. Meu pai.
     Algumas primas e parentes desidratavam em choro sentados em uma espécie de barraca, fui abraça-los. Segurei-me. Não chorei.
     Deparei-me na frente do caixão em que meu pai descansava a mente. Ouvi sua voz do meu lado. Sim, meu pai estava do meu lado direito, e falando comigo! Que coisa absurda, disse.
- Tá vendo, filho? Tá vendo como é forte?
Silêncio.
- Não chorou. Percebe?
- Sim.
     Ele parecia estar esplendidamente contente consigo. Sorria.
     Parecia dizer que eu deveria tornar-me seu sucessor como o chefe da família.
     Voltei os olhos para o caixão. Fogo surgiu repentinamente! E da mesma forma cessou. E, mais uma vez, o fogo instantâneo começou, agora, mais forte. Mais amarelo. Mais quente.            Mais vivo para o morto.
     Na hora, o caixão tornou-se em uma escultura de ouro. Dourado do começo ao fim. Talvez assim seja o interior do meu pai. Golden body, golden heart, golden mind. Não sabia dizer qual forma se tornara. Mas era a joia mais brilhante que já tinha visto na vida! E como brilhava...
     Me olhei e percebi que estava com uma camiseta laranja - igual a uma que possuo na realidade.
     Meu pai tinha sumido.
     Uma amiga de infância agora estava ao meu lado, e disse:
- Todos na escola estão muito tristes pelo o que aconteceu. Estamos rezando por você e sua família. Vamos até lá...
- Como eles já sabem?
     A escola, que na verdade era o corredor que dava para a entrada do meu quarto, estava lotada. Amigos da escola. Não reconheci nenhum, mas sabia quem eram. E, mais do que estranhamente, por algum motivo louco todos estavam com a mesmíssima camiseta laranja.

Não chorei.

Não sorri.
Não lastimei.
Somente  vivi o  momento.
Vivi para entender qual tipo de sentimento tive.
Ou deixei de ter.

Um beijo, pai.







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